terça-feira, 26 de outubro de 2010

OMG News: Max Lucado: Precisamos hoje de um Evangelho simples

A passagem de João 3.16, também chamado de “texto áureo” da Bíblia, é certamente a mais lida e pregada da Escritura. Por que o senhor o escolheu como base do seu novo livro?

Sou pastor, e todos os meus livros são para a Igreja – ou seja, eu os faço pensando na Igreja, e ela necessita saber que estamos numa época em que precisamos estudar um Evangelho simples. E como fazer isso? Explicando tudo numa frase bem simples, expressando opiniões mais simples ainda. Então, considero o texto de João 3.16 como uma passagem ideal. O curioso é que a primeira vez em que pensei neste livro foi em 1998, quando ouvi uma música da cantora Jacy Velasquez baseada justamente na passagem de João 3.16. Aí, uma pessoa me deu a idéia de escrever um livro baseado também naquele texto. Bem, passados estes anos, aí está o livro.

Por que o dia 11 de setembro, data tão emblemática para a humanidade, foi escolhida para o lançamento mundial de um livro que fala justamente da antítese do ódio?

Há uma maneira de comparar 9/11 com João 3.16 – e é precisamente a contraposição do medo contra a esperança.

Na sua opinião, o que mudou na Igreja após aquele episódio? Ela também perdeu um pouco da sua esperança? E agora, passados seis anos dos atentados, como os cristãos americanos lidam com a questão?

Infelizmente, nada mudou desde então. Eu me lembro de que nos primeiros dias após o atentado, todas as igrejas estavam lotadas. Só que o tempo passou e as pessoas não permaneceram naquela busca pelo Senhor. Agora, está tudo normal. Infelizmente, o cristianismo não influencia os Estados Unidos. Aliás, os Estados Unidos não são um país cristão, mas um país que tem cristãos. Um país cristão glorifica a Cristo em suas decisões e os Estados Unidos não estão fazendo isso. Eu acho que os Estados Unidos não estão crendo no Senhor como a Coréia do Sul, o Brasil ou a China.

Qual sua expectativa quanto ao efeito de João 3.16 sobre os leitores?

Eu tenho duas expectativas. Uma delas é a de alcançar as pessoas que não são discípulos de Cristo – para isso, quis apresentar-lhes um livro que explicasse o Evangelho de forma simples. A outra é edificar os cristãos, fazendo-os entender o Evangelho. Eu quis descomplicar as coisas importantes da Palavra de Deus.

Mas o livro tem alguns capítulos que abordam temas bem complicados, como a existência do céu e do inferno. Algumas modernas interpretações da Bíblia têm procurado relativizar essa doutrina, sugerindo que um Deus tão amoroso jamais lançaria pessoas no inferno, e que este termo, na realidade, significaria apenas “sepultura”. O senhor considera que as referências ao céu e ao inferno, na Palavra, são literais e referem-se mesmo a estados eternos a que serão destinadas todas as pessoas?

Eu procurei achar todas as possibilidades e caminhos para concordar com as pessoas que dizem que não existe literalmente o inferno. Mas, simplesmente, não concordo com isso. As Escrituras descrevem uma punição eterna com a mesma convicção que falam sobre a existência do céu. Eu estou convencido de que o inferno existe de fato – e é o destino eterno das pessoas que passam a vida inteira dizendo para Deus as deixarem a sós. Pois no final, é exatamente isso que Ele irá fazer.

Desde o lançamento de O maior vendedor do mundo, de Og Mandino, os temas motivacionais e princípios da auto-ajuda ensejaram o surgimento de um dos principais gêneros literários da atualidade. Qual a sua opinião acerca deste tipo de literatura?

A auto ajuda é uma boa idéia – mas uma mão limpa não pode ajudar a limpar uma suja. Logo, os princípios da auto-ajuda não são suficientes para o ser humano. Por isso, temos que buscar ajuda de outro lugar. Precisamos ter ajuda de Deus. É por isso que eu prefiro a Cristo-ajuda...

Mas esses temas também têm influenciado fortemente a literatura evangélica. Como conciliar, então, os princípios da auto-ajuda, que visam ensinar as pessoas a resolver seus problemas, com a fé cristã, que enfatiza a dependência irrestrita de Deus?

Bem, todo mundo precisa de encorajamento – e, por isso, todo mundo precisa atualmente da mensagem de Cristo sobre a cruz e a ressurreição. No entanto, não podemos sacrificar o Evangelho. Só encorajar não é suficiente. Temos que tratar o pecado, explicando sua natureza e mostrando o Salvador, mas não abrindo mão do Evangelho.

O que sabe da aceitação de seus livros no Brasil?

Fico feliz porque sempre recebo muitas cartas de brasileiros, que fazem questão de me encorajar e incentivar.

Que lembranças o senhor guarda do período em que viveu no Brasil?

Tenho um amor especial pelo Brasil! É o melhor povo do mundo. Os brasileiros me ensinaram muito sobre relacionamento. Na juventude, eu passei um verão no Brasil como estudante universitário. Então, acabei me apaixonando pelo país, e desde então sabia que o seu país era onde eu queria morar. Eu tenho três filhas, sendo duas nascidas no Brasil; logo, eu e minha família temos raízes profundas com esse país. Eu ainda tenho muito amigos no Brasil, especialmente nas cidades do Rio de Janeiro, Natal, Recife e São Paulo. Eu também tenho lembranças de Porto Alegre e Curitiba. Foi um privilégio viver aqueles anos em seu país.

E pensa em voltar a residir no Brasil?

Não. Mas adoraria uma nova estada prolongada.

A publicação do documento Respostas a questões relativas a alguns aspectos da doutrina sobre a Igreja, no qual o Vaticano arvora para o catolicismo a condição de “única Igreja de Cristo”, foi um duro golpe no processo de aproximação da Igreja Católica das demais correntes cristãs. Como escritor que também é maciçamente lido por católicos, o que o senhor pensa acerca deste enfrentamento?

Eu acho que ser cristão é ser uma pessoa cujo Deus é o Senhor e que tem a Jesus Cristo como único salvador. Ora, não podemos ser salvos sem Cristo! Eu não acho que todos os caminhos levam a Deus. O que faz uma pessoa cristã não é a igreja que ela freqüenta; por isso, acho que há verdadeiros cristãos tanto na Igreja Católica quanto nas igrejas protestantes. Todavia, há muitos católicos que não são cristãos, como também há muitas pessoas que pertencem a igrejas evangélicas que não o são.

Em seu livro Dias melhores virão, o senhor defende a crença no fato de que o Senhor sempre está no controle da situação – mesmo em casos de extremo infortúnio, como a doença e a morte, tema também presente em Aliviando a bagagem, Ele ainda remove pedras e diversas outras obras suas. Mesmo para o cristão, manter a fé diante do mundo de hoje não está cada vez mais difícil?

Sim, está. Eu acho que é muito difícil ser cristão. Principalmente, nos Estados Unidos, onde o secularismo é uma religião – ou seja, só se acredita vendo. Por causa disso, as pessoas não oram, pois só acreditam no que vêem. O que eu gosto no Brasil é que os brasileiros acreditam que existe um mundo espiritual, crêem na existência de anjos etc.

Na sua opinião, o cristão tem uma percepção correta do sofrimento e do seu significado?

É muito necessário a gente entender o propósito do sofrimento. Ele é a ferramenta usada por Deus para tratar o caráter humano. A Bíblia diz que o sofrimento nos prepara para sermos fortes; ele nos prepara para a vida eterna. E é fundamental ressaltar que a Palavra de Deus não nos revela que não teríamos sofrimentos – mas afirma que Cristo nos fortaleceria nestes momentos.

A teologia da prosperidade, de matriz americana, influenciou fortemente a Igreja Evangélica brasileira. Um de seus pressupostos básicos é justamente a eliminação do sofrimento nesta vida. Mas percebe-se que hoje tem havido um certo “cansaço”, sobretudo em relação a promessas dos líderes que não se concretizam na vida dos fiéis. O que o senhor pensa da confissão positiva?

Eu não acho bom dizer às pessoas que, quando elas se tornarem cristãs, vão ter coisas materiais. E tenho problemas com aqueles que dizem que, quando o indivíduo se converte, vai ganhar dinheiro, não vai ter doenças... Mas a promessa de Cristo é a de nos fortalecer no meio dos problemas, e não, que a gente não vai tê-los.

O que mudou no Max Lucado escritor desde o lançamento de seu primeiro livro?

O que mudou (risos)? Hoje em dia, eu tenho mais dead line (Da redação: Trata-se de expressão utilizada no segmento editorial e se refere aos prazos para fechamento de textos e entrega de originais). Agora, eu trabalho muito mais no computador do que antes. Eu escrevi meus primeiros livros na época em que morava no Rio de Janeiro. Naquele tempo, eu os escrevia entre dez e meia da noite e meia-noite... Só que agora, uso o meu tempo integral para escrever.

Agora, uma pergunta inevitável: qual o segredo do sucesso dos seus livros?

Olha, eu não sei o porquê de os meus livros serem bem recebidos. Simplesmente, não tenho explicação para isso. Eu apenas gosto de escrever para pessoas que não gostam de ler, pois sou uma pessoa bem simples.

Por que o senhor resolveu aposentar-se do pastorado da Oak Hills Church, congregação onde exerceu o ministério desde 1987?

Na verdade, não estou me aposentando. Só estou mudando de cargo, já que vou ficar trabalhando como professor da Bíblia. Acontece que conciliar o ofício de escritor com o cargo de pastor principal é demais. Só estou simplificando as coisas...

Em João 3.16, Deus apresenta seu amor infinito ao homem. Como o senhor tem vivenciado este amor na sua vida?

O amor de Deus é a coisa mais importante da minha vida. Eu lutei muito com o Senhor nos primeiros dias da minha conversão. Era alcoólatra e achei que Deus poderia me perdoar; e aí, finalmente, comecei a acreditar nesse amor divino e efetivamente cri que Deus pode nos perdoar.

Em recente entrevista a uma revista americana, o senhor abordou essa sua relação com o álcool – tema considerado tabu no segmento evangélico, que consideram seu consumo como pecado. Por que o senhor resolveu tocar no assunto?

O abuso do álcool é parte da minha história, pois me envolvi cedo com a bebida. Mas, graças a Deus, beber excessivamente não é mais uma tentação para mim.

Logo, Deus é o Deus da segunda chance?

E da terceira, da quarta...

Fonte: Cristianismo Hoje

domingo, 24 de outubro de 2010

OMG News : "Estão trocando o Evangelho de Cristo por um outro evangelho"

É inevitável começar esta entrevista com a pergunta que dá titulo ao seu livro: o que estão fazendo com a Igreja?

Infelizmente, muita coisa ruim – desde desfigurá-la, passando uma imagem ao público de que todos os evangélicos e seus pastores são mercenários que vivem para fazer barganhas com Deus em troca de bênçãos, até destruí-la internamente, trocando o Evangelho de Cristo por um outro evangelho. Um evangelho despido de poder, realidade histórica e eficácia salvadora, que é ensinado pelos liberais. Aqui entram também os hiperconservadores, às vezes chamados de neopuritanos, com sua visão radical de culto.

Quais os efeitos da pós-modernidade sobre a Igreja?

A pós-modernidade facilitou e aumentou a influência do liberalismo, do relativismo e do pragmatismo na Igreja brasileira, ainda que esses movimentos e tendências sejam tão antigos quanto a própria Igreja. A presente época, marcada pela pós-modernidade, facilita a penetração desses elementos na vida, liturgia e missão das igrejas evangélicas, como de fato temos presenciado. E por outro lado, existem líderes evangélicos que conscientemente constroem ministérios, igrejas e movimentos que se apóiam em métodos e ideologias liberais, relativistas e pragmáticas. O que essas coisas têm em comum é que sempre representam uma tentação para corromper o Evangelho bíblico, quer pelo apelo à soberba humana, quer por um tipo de Cristianismo descompromissado, ou ainda pela oferta enganosa de resultados extraordinários em curto espaço de tempo.

A crise de ortodoxia do Evangelho contemporâneo, bem como o pós-denominacionalismo, é resultado direto deste processo?

Sem dúvida. O relativismo representa uma ameaça concreta à Igreja, pois a mesma se firma sobre verdades universais e imutáveis, como a existência do Deus Trino; a humanidade e divindade de Jesus Cristo; sua morte vicária e sua ressurreição real e física de entre os mortos; a salvação pela fé sem as obras da lei; e a segunda vinda de Cristo. A Igreja defende também uma ética centralizada no amor que, segundo Jesus e seus apóstolos, consiste em obedecer a Deus e aos seus mandamentos. Todavia, o relativismo rejeita o conceito de verdades absolutas e internaliza a verdade no indivíduo.

E qual o efeito prático disso?

O questionamento à autoridade da Bíblia, ao caráter único do Cristianismo e ao comportamento ético pregado historicamente pelos cristãos. Mas, num certo sentido, o relativismo pode representar uma oportunidade para o Cristianismo em ambientes pós-cristãos, onde a fé cristã já foi excluída a priori. Por exemplo, no ambiente das universidades, o discurso é geralmente anticristão, relativista, pluralista e inclusivista. Os cristãos podem, em nome da variedade e da pluralidade, pedir licença para falar, já que, de acordo com a pós-modernidade, todos os discursos são iguais e válidos – e nenhum é melhor do que o outro.

O movimento evangélico brasileiro, tão numeroso e multifacetado, está perto de seu fim?

Não creio que o movimento evangélico brasileiro chegue a um fim, mas temo que esse processo de desfiguramento e de enfraquecimento teológico e doutrinário, levado a cabo por liberais, neopentecostais, libertinos e neopuritanos, acabe transformando a Igreja brasileira em algo distinto da Igreja bíblica. Por outro lado, como sempre existiram os sete mil que nunca dobraram os joelhos a Baal, é provável que, paralelamente, aconteça o fortalecimento de denominações, ministérios e grupos evangélicos que prezam a Bíblia – gente que valoriza as práticas devocionais como oração, meditação e santidade bíblica e que tem visão evangelística e missionária. Já no momento atual é possível identificar esse crescimento, embora em dimensões menores do que gostaríamos. Quanto ao perfil dessa nova Igreja, fica difícil prever.

Uma das críticas que o senhor faz é à ênfase na formação teológica liberal, que seria uma espécie de “coqueluche” dos teólogos de hoje, interessados numa graduação reconhecida sob o ponto de vista acadêmico. Neste sentido, o reconhecimento oficial aos cursos de teologia, uma antiga bandeira do segmento evangélico, veio para melhorar ou piorar as coisas?

Em si, o reconhecimento oficial de um diploma de teologia não representa qualquer perigo para a Igreja. Mas o problema não é o isso, e sim, o conteúdo que será ministrado aos alunos que buscam uma formação reconhecida pelo Ministério da Educação. Da minha parte, creio ser possível termos um curso de teologia reconhecido oficialmente e que apresente uma teologia bíblica e saudável. Todavia, nem sempre tem sido esse o caso.

Como assim?

Esse reconhecimento tem sido oferecido, freqüentemente, através de cursos de teologia de faculdades e universidades públicas e privadas que não têm compromisso com a confessionalidade cristã histórica. É verdade que o reconhecimento oficial dos cursos de teologia é uma antiga bandeira do segmento evangélico. Só que, quando os evangélicos queriam isso, os cursos de teologia reconhecidos eram oferecidos por instituições de ensino superior que tinham tradição cristã. Além disso, eram dirigidas por cristãos comprometidos com a teologia histórica da Igreja, como Princeton nos Estados Unidos e a Universidade Livre na Holanda, por exemplo. Atualmente, grande parte dos professores de alguns desses cursos obtêm seus diplomas e graus de mestre e doutor em escolas liberais – e nem sempre na área de teologia, mas em ciências da religião, sociologia, psicologia, antropologia, letras etc.

O problema, então, é o que professores com este tipo de formação vão ensinar?
Não é tanto o que eles ensinam, mas o que deixam de ensinar, exatamente porque não tiveram uma sólida formação teológica debaixo de orientação bíblica. Quem mais tem sentido o impacto do liberalismo teológico em sua mão de obra são as igrejas pentecostais, que por não terem tradição em preparar seus obreiros, acabam recorrendo a esses cursos e expondo seus pastores, evangelistas e obreiros à teologia liberal.

Em sua obra, o senhor fala na existência de uma esquerda teológica que valoriza o liberalismo, não apenas nas questões religiosas, mas sobretudo comportamentais. Num panorama em que a esquerda política, atualmente no poder, parece confusa e adota posturas flagrantemente neoliberais, esta confusão ideológica também contamina o segmento evangélico?

Acho que sim. Não é coincidência que um grande segmento evangélico esteja defendendo bandeiras liberais, como o aborto, o reconhecimento das uniões homoafetivas, o sexo antes do casamento... Essa atitude de tolerância e relativismo é a mesma que sempre marcou o esquerdismo no Brasil. Não estou dizendo que todo evangélico esquerdista é liberal e defende essa agenda; mas que existe uma coincidência de valores éticos e de agenda.

O movimento evangélico brasileiro é tão diversificado quanto as milhares de denominações que o compõem. No atual panorama, identificado no seu livro, esta diversidade traz mais vantagens ou desvantagens?

Acredito que a diversidade é sadia e bíblica. Entendo, porém, que existe uma unidade essencial e básica entre os verdadeiros cristãos, que pode ser resumida nos fundamentos da fé bíblica. Os verdadeiros evangélicos confessam estes fundamentos, e vamos encontrá-los em todas as denominações que compõem a Igreja Evangélica brasileira. Mas vamos encontrar também quem não crê em nenhuma dessas coisas, ou que nutrem reservas quanto a elas. Eu não tenho problemas com a diversidade, pois acho-a enriquecedora. Tenho divergências inclusive com irmãos e colegas que são reformados calvinistas como eu. Todavia, existe uma unidade essencial mais forte e superior às divergências. Teologia tem um poder tremendo para unir as pessoas ou para separá-las, pois tem a ver com convicções e experiências pessoais.

A partir dos anos 1980, o advento da teologia da prosperidade e da confissão positiva mudou a maneira de se pensar a fé evangélica no país. Qual a verdadeira influência destas correntes na crise do movimento evangélico nacional?

A confissão positiva acabou exercendo uma grande influência sobre os evangélicos brasileiros. Na minha opinião, todavia, ela não é a maior influência negativa. Considero a teologia da prosperidade, a busca de experiências místicas, as crendices e superstições que infestam os arraiais neopentecostais como sendo de maior periculosidade para a Igreja. Quanto ao segmento reformado, por sua própria natureza, ele é mais resistente à essas infecções e pouca influência recebeu – mas tem, entretanto, sofrido mais com outros tipos de problemas, especialmente com sua incapacidade, até o momento, de crescer de forma significativa sem perder o compromisso com a fé histórica da Igreja.

Se muitos dos postulados neopentecostais vão de encontro à tradição protestante, em quê o segmento histórico falhou, ou pelo menos hesitou, para que, a partir dos anos 1970, o neopentecostalismo crescesse em proporções geométricas no cenário evangélico nacional?

Boa pergunta. É interessante que, na década de 1950, a Igreja Presbiteriana era uma das maiores denominações evangélicas do país. Por algum motivo, perdemos o bonde. Não sei avaliar direito o que aconteceu. Pode ser que tenhamos exagerado na reação aos abusos do movimento carismático na década de 70 e nos fechamos na defensiva. Ficou difícil, naquela época, falar do Espírito Santo e de reavivamento espiritual sem sermos confundidos com carismáticos e pentecostais. Pode ser também que reagimos da mesma forma diante do crescente movimento litúrgico e do movimento de crescimento de igrejas, com toda sua parafernália metodológica centrada no homem – movimentos estes que dominaram o cenário dos anos 70 a 80. E depois, a mesma coisa diante dos neopentecostais. Não conseguimos ainda sair da defensiva e ser mais proativos, oferecendo alternativas, soluções – e o que é melhor, oferecer nosso próprio exemplo de como uma igreja pode crescer de maneira sadia, sem comprometer a teologia e a ética bíblica.

Então, o liberalismo teológico também afetou as igrejas tradicionais?

Sim, afetou tremendamente as igrejas históricas nos anos 60, especialmente os seus seminários. Isso causou graves problemas e disputas internas, que obrigaram essas igrejas a relegar o crescimento a um plano secundário e a se concentrarem na própria sobrevivência. As igrejas históricas que não conseguiram sobreviver ilesas hoje são as menores entre os evangélicos, mais voltadas para o social e ainda em lutas internas com os liberais que sobreviveram dentro de suas organizações e estruturas. Já as que conseguiram sair inteiras, embora chamuscadas, começam lentamente a progredir e retomar seu crescimento, como creio ser o caso da Igreja Presbiteriana do Brasil.

Por que lideranças autocráticas e monolíticas, cada vez mais comuns nas igrejas, são aceitas pelos fiéis?

Em minha opinião, é o que chamo em meu livro de “a alma católica dos evangélicos brasileiros”. Os brasileiros estão acostumados com o catolicismo romano e sua hierarquia eclesiástica totalitária. Por séculos, o romanismo impregnou a alma brasileira com a idéia de que a religião deve ser conduzida por líderes acima do povo, que vivem numa esfera superior; enfim, intocáveis. No romanismo, os líderes não são eleitos pelo povo, como acontece na maioria das igrejas históricas, cujo sistema de governo é democrático – eles são impostos, determinados, designados. Além disso, são considerados como especiais e distintos; é o clero separado dos leigos. As ordens eclesiásticas são um dos sacramentos da Igreja Católica. E os brasileiros viveram sua vida toda debaixo da influência de uma religião regida por bispos e por um papa, o qual, segundo um dogma católico, é infalível. Nada mais natural, portanto, que ao se tornarem evangélicos, suspirem e desejem o mesmo esquema de liderança, como os israelitas que disseram a Samuel que constituísse um rei sobre eles, para que os governasse, como o tinham as outras nações à sua volta, conforme I Samuel 8.5. Essa mentalidade romana favorece o surgimento, entre os evangélicos, de líderes autocráticos e autodesignados, que se arrogam o título e o status de bispos ou apóstolos.

Fonte: Cristianismo Hoje

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

OMG News : Para Marina, religiosidade do brasileiro não pode ser ignorada

BBC Brasil - O que acha da afirmação de que a senhora é maior do que o PV?

Marina Silva - Eu acho que as coisas se completam. O partido é uma estrutura necessária institucionalmente para que se possa ter uma militância institucional, disputar uma eleição, e obviamente que o partido ter quadros com inserção na sociedade o fortalece.

BBC Brasil - A senhora participou da construção do PT, que tinha uma identificação real entre todos os seus membros. A senhora sente isso também no PV?

Marina - Sinto. O PV surgiu há cerca de 25 anos, muito pela experiência do (Fernando) Gabeira, do (Alfredo) Sirkis e outras lideranças que ficaram exiladas principalmente na Europa, e de lá trouxeram o movimento dos verdes para o Brasil.

Só que no Brasil a experiência verde europeia foi reelaborada à luz dos desafios de sermos um país em desenvolvimento, em que tínhamos o desafio da proteção dos recursos naturais e, ao mesmo tempo, o desafio da inclusão social.

No Brasil, uma parte muito significativa do PV é identificada com a questão socioambiental. Um outro segmento entrou no partido sem a compreensão programática, mas hoje estamos trabalhando nisso, para que o partido tenha um crescimento significativo, em termos programáticos.

O que é preciso para isso? Qual a importância dessa ala não-programática?

Não diria que é uma ala. São segmentos que entram por simpatia pelo partido, na busca de uma participação na política institucional, mas isso tem que ter um investimento em termos de formação.

Como a senhora vai se posicionar no segundo turno?

Priorizarmos aspectos importantes para apresentar aos dois candidatos, cerca de dez propostas que dizem respeito à sustentabilidade, à priorização na área social, à gestão pública e à ética. Estamos aguardando a manifestação deles no sentido de internalizar ou não essas propostas no seu programa de governo, e em cima desse processo vamos agora para discussão no dia 17, quando o partido anunciará a sua decisão e eu também anunciarei a minha.

Teremos três opções: apoiar uma ou outra candidatura ou uma posição independente, apelando para que cada eleitor tenha uma decisão consciente com o seu próprio voto.

O modelo de desenvolvimento que vem sendo adotado no governo Lula nos últimos anos é sustentável?

O modelo de desenvolvimento em nenhum lugar do mundo é sustentável. Todos os países ricos ou pobres estão diante do desafio de fazer a transição da forma predatória de desenvolvimento para a sustentável.

No governo do presidente Lula, no governo do presidente Fernando Henrique, os partidos tradicionais não conseguiram alcançar o desafio deste início de século, que é de integrar numa mesma equação economia e ecologia.

Que indicações a senhoras tem de que a Dilma Rousseff poderia adotar esse modelo de desenvolvimento sustentável?

A ministra Dilma e o governador Serra são muitos parecidos. Ambos têm uma visão desenvolvimentista, ‘crescimentista’, são pessoas com perfil gerencial. Cada vez mais o mundo vai precisar de quem tenha visão nova de desenvolvimento, que seja capaz de integrar as diferentes dimensões do fazer humano, que não fique preso a uma lógica puramente pragmática, racionalista.

A senhora conhece alguma ação de José Serra no campo da sustentabilidade que seja digna de nota?

Os esforços que vêm sendo feitos ainda são muito periféricos. Não é uma questão de ter um ministério ou secretaria do meio-ambiente fazendo algumas coisas interessantes nessa área. É como a questão da proteção dos ativos ambientais perpassa o agir de todos os setores do governo.

A senhora é evangélica, mas durante a campanha não usou isso para pedir o voto dos evangélicos. No fim da campanha, o tema do peso do voto evangélico veio à tona. O que a senhora achou disso?

Sou evangélica, fui católica durante 37 anos e sempre vi que os cristãos têm uma contribuição a dar à sociedade, em todos os sentidos.

As pessoas que votaram em mim e que são cristãs evangélicas, católicas, seguem outras crenças ou não têm fé votaram também em função da minha trajetória. Ainda que haja identidade com os cristãos evangélicos, o que para mim é motivo de alegria.

Mas as pessoas sabiam que estavam votando em alguém que prima pelo respeito ao estado laico.

Alguns analistas criticaram a entrada do tema religioso na campanha, dizendo que ele fez com que o processo político regredisse no país.

Somos um país onde mais de 90% das pessoas creem em Deus, e esse é um dado de realidade que não se pode negar. No entanto, precisamos ter a sabedoria de não importar conflitos religiosos que existem em outros países para o Brasil, onde temos cultura de respeito pela diferença e pela diversidade. Mas o respeito pela diferença e pela diversidade pressupõe o direito daqueles que são evangélicos ou católicos de afirmarem os seus pontos de vista.

A senhora acha que os eleitores devem estar atentos ao tema do aborto?

As demandas surgem porque a sociedade já está atenta. Teremos que debater a questão no mérito, e não no rótulo. Para mim, a defesa da vida é um princípio, e vejo que não só os que creem têm esse princípio.

Temos que diminuir o número de abortos no Brasil, dando a informação para as mães que muitas vezes pagam o preço muito alto, sequelas de saúde, emocionais...

E como lidar com uma mulher que fez aborto? Ela deve ser punida?

É claro que uma mulher que fez o aborto não gostou de ter feito. Precisa de ser acolhida na sua angústia, na sua dor, na sua culpa.

O Brasil está de fato aumentando sua importância no mundo?

O Brasil tem cumprido um papel importante, de liderança dentro do G20, G77. Na questão ambiental, o Brasil levou uma posição muito avançada para Copenhague, embora seja um país em desenvolvimento. Mas não se pode ver isso como algo estabelecido e conquistado, é um processo.

O papel que vejo para o Brasil é ser um país em desenvolvimento que busca novo modelo de desenvolvimento.

Fonte: BBC Brasil