quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

OMG News: Confira entrevista do pastor que negociou rendição de traficantes

A seguir, leia mais sobre o que pensa o pastor.

iG: Às vésperas da polícia invadir a favela, no sábado (27), o senhor e o José Junior entraram no Complexo do Alemão para conversar com os traficantes. Na sua avaliação, esse gesto ajudou a evitar derramamento de sangue?

Rogério Menezes – Sim. Eu e o José Junior estávamos todo o tempo juntos. Ele virava para mim e falava “pô, Rogério, o que a gente pode fazer para ajudar?”. Eu respondia: “Junior, eu sei que é perigoso e arriscado, mas imagina se a polícia entrar? Vai morrer muita gente. Temos de ir lá”. Expliquei que o máximo que poderia acontecer era a gente ser tomado como refém. Falei: “Deus está nos mandando ir”.

iG: O que o senhor pensava naquele momento?

Rogério Menezes - Havia ali cerca de 1.500 pessoas com algum envolvimento com o crime. Se houvesse confronto, eles iriam enfrentar, como foi noticiado, 2.600 policiais civis, militares, homens do Exército e da Marinha. Sem contar os inocentes, os jornalistas, imagina o derramamento de sangue que poderia existir... Eu só pensava nisso.

iG: Como vocês chegaram até os traficantes?

Rogério Menezes – Entramos na favela e perguntamos onde eles estavam. Nos orientaram a chegar até a parte mais alta. Encontramos um grupo de cerca de 60 homens, os mais perigosos. Conversamos olho no olho.

iG: E como foi a conversa?

Rogério Menezes – Eles vieram até a gente. Estavam cansados, sem forças até para falar. Nós argumentamos que não dava para eles encararem. E muitos diziam “pastor, me ajuda. Pelo amor de Deus. O que o senhor pode fazer por mim?” O José Junior respondeu que não havia nada que a gente pudesse fazer e que o melhor seria se renderem à polícia; que a única garantia que a gente podia dar era a de que ninguém seria assassinado se aceitasse a rendição.

iG: E eles estavam inclinados a aceitar a proposta?

Rogério Menezes – Um dos chefões virou para mim e falou: “Pastor, o senhor me conhece. Sabe que a minha vida todinha eu tirei dentro da cadeia. O senhor quer que eu volte?” Respondi: “Rapaz, é melhor você se entregar do que ser morto. Você tem uma vida, tem família. Pensa muito bem no que você vai fazer.”

iG: E qual foi a reação?

Rogério Menezes – Eles estavam desesperados, amedrontados. Alguns tremiam, estavam com os olhos arregalados. Outros olhavam para a gente como se fôssemos uma saída, um porto seguro. E a gente foi tentando acalmá-los. Mas eles diziam que era complicado se entregar. Em determinadas facções, se entregar é complicado. Eu sei disso. Hoje sou pastor, mas já fui do crime. Entendo a posição deles. Mas é aquele negócio, para o homem é impossível, mas para Deus tudo é possível.

iG: Quer dizer que alguns queriam se render, mas tinham medo de ser assassinados na cadeia por retaliação da facção criminosa a que pertencem?

Rogério Menezes – É por aí. Cada caso é um caso. Depois dessa conversa que tivemos com eles, 37 se entregaram. Um se apresentou na delegacia com a mãe, a imprensa acompanhou. É o Mister M. Teve um pai que foi entregar o filho por acreditar que isso era melhor do que vê-lo morto pelo Bope. Acredito que eles não viam saída. Eu e o José Junior os motivamos a não irem para o confronto. Ninguém imaginava que o Alemão poderia ser ocupado da forma como foi. O maior mérito foi de Deus. Mas há também o mérito do AfroReggae, do José Junior, que foi muito corajoso.

iG: Qual foi o diálogo com os traficantes que mais marcou o senhor?

Rogério Menezes – Vi homens de alta periculosidade me chamar no canto e se abrir para mim e para o José Junior. Um deles chorou na nossa frente. Não de medo. Chorou porque não queria o confronto, porque temia pela vida dele, porque tinha família. Ele estava se sentindo traído por amigos que o deixaram na mão. Foi o momento que mais me compadeceu. Eu ficaria o tempo todo ao lado daquela pessoa, ainda que a polícia entrasse.

iG: Era um dos chefes do tráfico?

Rogério Menezes – Positivo.

iG: Quem falou mais, os senhores ou os traficantes?

Rogério Menezes – Eles ficaram mais tempo calados. Queriam ouvir a gente, queriam uma luz. Eles não estavam conversando com traficantes, mas com pessoas que simbolizavam a paz, a vida. Tem pessoas ali que me conhecem desde 1993, quando comecei a pregar. Muitos eu vi ir para a cadeia, sair da cadeia, visitei na favela. Havia homens com armas nas mãos, mas os que conversavam com a gente não estavam armados. Em momento algum eles diziam que iriam meter bala ou que optariam pelo confronto. Isso eu não vi.

iG: O senhor diz que muitos traficantes não querem se render porque temem retaliações de colegas de facção dentro da cadeia; outros que já ficaram muito tempo presos e não aceitam voltar. A polícia afirma que vai permanecer na favela até realizar as prisões e recuperar as armas. O senhor defende alguma proposta para que não aconteçam novos conflitos?

Rogério Menezes – Sou a favor da anistia. Converso muito com traficantes e com viciados, visito muita boca de fumo. Eu evangelizo muito. Faço um trabalho de Deus, um trabalho do bem, espiritual. Já tirei muitos dessa vida e encaminhei para um emprego. E já vi caso também de pessoas que largaram o crime, se mudaram para outro estado, mas não conseguiram emprego porque devem à Justiça. Tiveram de voltar e retornar para o crime, tinham família. Mas eles me diziam “pastor, o senhor viu que tentei. Voltei para o tráfico, mas não bebo, não me drogo mais, nem a baile funk eu vou. Vai acabar meu plantão na boca e vou para casa ficar com meus filhos”.

iG: O senhor não acha difícil propor para a sociedade que essas pessoas sejam anistiadas sem pagar pelos crimes que cometeram?

Rogério Menezes – É muito difícil responder sobre isso. Como religioso, acho que o culpado disso tudo são as forças espirituais do mal. Vou dar um testemunho da minha vida. Eu trabalhava, ganhava bem, três salários mínimos. Não era de uma vida errada. Mas em um determinado momento me senti sem chão. Tudo começou quando perdi meu pai. Minha mãe arrumou outro homem logo em seguida e eu não aceitei. Ela então me expulsou de casa. Eu tinha 16 anos. Bateu uma depressão tão grande, que perdi meu emprego, não conseguia trabalhar. Era morador da Baixada Fluminense, morava numa comunidade carente, conhecia bandido, conhecia traficante, mas eu era trabalhador. Nem todo mundo que mora dentro de uma comunidade é bandido. Minha família me deu estudo, o melhor que pôde dar. Mas eu caí na vida do crime, me entreguei à bebida, às drogas, fui preso. Houve momentos em que me vi sentado, chorando, querendo sair dessa. Eu despertei, procurei uma casa de recuperação. Tive apoio.

iG: Apesar da visão religiosa do senhor, a anistia não é uma proposta polêmica?

Rogério Menezes – Cada caso é um caso. Proponho que essa decisão seja avaliada pelo governo, pelos parlamentares, pela Justiça. Caso a caso, insisto. Mas, particularmente, eu acredito que num universo com 100% de criminosos, se você oferecer uma oportunidade pelo menos 40% aceitam largar essa vida. É preciso considerar que muitos temem por suas famílias. Se forem presos, quem vai sustentar suas mulheres, seus filhos? Tem que haver um projeto social também.

iG: Muitos bandidos fugiram e a polícia diz que vai capturá-los. O senhor acredita que esses traficantes vão voltar para o Complexo do Alemão futuramente? Ainda pode haver enfrentamento?

Rogério Menezes – Acredito que muitos homens que estavam ali no meio, inclusive os que fugiram, não têm antecedentes criminais. Às vezes até segura uma arma, mas é só um viciado. A polícia tem feito seu trabalho. E cabe à polícia e ao governo continuarem a fazer o seu trabalho. Contudo, também acredito que aquilo ali foi a mão de Deus a fim de despertar esses jovens. Acredito que muitos vão analisar e ver que não vale a pena se envolver com o crime. É a resposta que posso dar para essa pergunta.



iG: O senhor está certo da recuperação dessas pessoas?

Rogério Menezes – Vou dar um exemplo. Trabalha com a gente lá no AfroReggae o Gaúcho. Durante muitos anos ele foi o chefe do Alemão, era um dos mais temidos na área. Ele tirou 28 anos de cadeia e hoje está aí, fora do crime, trabalhando com carteira assinada. Isso é a prova de que enquanto há vida, há esperança. O Bem-te-vi, aquele que morreu na Rocinha, ele vivia me dizendo que queria sair do crime. Eu ia para lá pregar umas sete da noite e ele não me deixava ir embora antes das três, quatro horas da manhã. Ele tinha o prazer de estar do meu lado. Muitas vezes o vi chorar. Ele me dizia “pastor, me ajuda. Quero sair dessa vida, mas não tenho forças. A sociedade me marginaliza, não acredita em mim”. Eu dizia, “rapaz, o mais importante é Deus estar olhando para você. Deus tem um plano para sua vida. Você não pode se entregar à criminalidade”.

iG: Por que evangélicos são tão respeitados pelos criminosos?

Rogério Menezes – No sábado, na hora em que a polícia se posicionou para invadir o Complexo do Alemão, tinha um pastor na entrada da favela de terno e com a Bíblia na mão. Estava ele e a mulher dele. Aliás, havia mais de um, eram muitos. Eles ficaram entre os militares da polícia, do Exército e da Marinha, e os jovens. E eles procuravam esses jovens e diziam para que saíssem dessa vida. Ofereciam apoio: “quer se entregar comigo?”, perguntavam. No momento mais difícil, havendo risco de vida, eles estavam ali. E tem os testemunhos daqueles que saíram do crime e hoje estão aí, vivendo com dignidade. Isso mostra para eles que é possível.



Com informações iG / Agência Estado

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

OMG News : “Tenho mágoa”, diz o pastor Ricardo Gondim

CRISTIANISMO HOJE – Agora em maio, duas grandes catástrofes – o ciclone em Mianmar e o terremoto na China – assustaram o mundo e novamente levaram os crentes a pensar sobre as razões do sofrimento humano. Como o senhor, que na época do tsunami ocorrido na mesma Ásia em 2004 causou polêmica com um artigo sobre as tragédias, analisa a questão do sofrimento humano diante da existência de um Deus que se apresenta ao homem como pleno de amor?

RICARDO GONDIM – Discordo da explicação fundamentalista de que “todas as tragédias são provocadas pelo pecado original”. É um simplismo cruel e inútil. Como escrevi inúmeras vezes, não consigo acreditar numa divindade que tudo ordena e orquestra. Em Os irmãos Karamazov, de Dostoievski, Ivan diz num certo momento: “Há uma coisa no Universo que clama: o choro de uma criança”. O Deus da Bíblia não é sádico de provocar a morte de milhares de vidas. Exatamente pelo fato de Deus ser amor, ele possibilita a felicidade e a infelicidade. Nossas escolhas, decisões e articulações sociais interferem nos resultados. Ao mesmo tempo, a vida é trágica e feliz. Deus é sempre parceiro do homem nessa busca de tornar a vida mais intensa e prazerosa. Como afirma André Comte-Sponville, “somos os únicos seres do Universo que podem humanizar ou desumanizar”.

Na época do tsunami, teólogos se insurgiram contra alguns de seus textos, desfiando uma série de argumentos. Hoje, o senhor é mestrando em ciências da religião na Universidade Metodista. É importante estudar teologia?

Depende de como você entende a teologia. Deus não pode ser dissecado. Como disse Paul Tillich, “Deus está além de Deus”. Entendo teologia como o estudo e a maneira como organizamos nossa vida a partir da compreensão que temos de Deus, ou, lembrando Rudolf Otto, do nosso “encontro com o sagrado”.

Mesmo entre as pessoas que não professam nenhuma religião, a sucessão de fatos trágicos e de episódios de crueldade humana explícita, como o assassinato da menina Isabella Nardoni, sugerem que algo muito grave e de contornos ainda indefinidos esteja acontecendo. O atual recrudescimento da brutalidade humana aponta a proximidade dos eventos escatológicos bíblicos ou são apenas novas expressões de um quadro que sempre houve?

Todos esses fatos recentes são apenas expressões de algo que sempre aconteceu. Repare que, ao longo da história, foram comuns perseguições contra judeus, hereges, escravos... A própria Reforma Protestante foi um episódio violento. Em Casa grande & senzala,Gilberto Freyre discorre sobre o que algumas senhoras faziam por ciúme da beleza das escravas. Quebravam-lhe os dentes com chutes ou mandavam-lhes cortar os peitos. De certa maneira, creio que o que aumentou foi o nível de intolerância social à brutalidade – por isso a comoção e a revolta provocadas por esses episódios.

Quando foi a última vez que o senhor chorou?

Na semana passada, durante reportagem na TV sobre o terremoto da China. Depois de quatro dias, conseguiram resgatar uma criança com vida. Um pai tentou invadir a ambulância ao imaginar que era seu filho. Chorei ao ver o desespero daquele homem.

Quais são as principais diferenças entre o Ricardo Gondim de hoje e aquele que começou o ministério há três décadas?

Eu era um homem com um idealismo ingênuo. Não sabia diferenciar ilusão e encantamento. Ilusão é baseada em fantasias; já o encantamento nasce da observação da realidade. Continuo encantado com o Evangelho, com “E” maiúsculo.

Então, quem é Ricardo Gondim?

Um homem introspectivo e nostálgico. Gosto de ambientes intimistas e tenho profunda necessidade de estabelecer relacionamentos significativos, sem trocas ou quaisquer tipos de interesses.

Nos últimos cinco anos, o senhor tem se notabilizado como um crítico do segmento evangélico. Iniciativas como o blog Outro Deus e a maciça produção de textos nesta linha têm marcado seu ministério. Até que ponto isto se confronta ou complementa sua atuação pastoral?

Comecei a escrever pelo fascínio da própria literatura, cuja excelência intrínseca é maior que a da oralidade. Esse exercício adensa pensamentos e complementa idéias que surgiram nas mensagens. Todas as semanas posto textos inéditos e meu site recebe cerca de 1.400 visitantes por dia e mais de 1,5 mil e-mails por mês.

Em seus pronunciamentos recentes, o senhor revela a vontade de afastar-se de tudo e chega a sugerir que as pessoas não compareçam sequer aos eventos que promove. No entanto, o senhor continua participando e promovendo eventos destinados ao público evangélico e permanece na direção da Betesda – uma igreja com corte social de classe média urbana, presença na mídia e atuação institucionalizada, como tantas outras denominações cuja existência legitimam suas críticas. Não é um paradoxo?

É preciso definir os acampamentos. Há um movimento evangélico que mostra ter exaurido as forças. Alguns sinais dessa exaustão são a falência ética e as campanhas constantes para trazer pessoas à igreja. Para mim, agenda cheia demonstra fraqueza. Para fidelizar o público, há gente buscando atrações cada vez mais fantásticas. No caso da Betesda, é explícita a posição de não repetir modelos falidos e teologias engessadas da década de quarenta. O que faço hoje são eventos voltados para a própria igreja. Recentemente, decidi suspender o Congresso de Reflexão e Espiritualidade, voltado basicamente para pastores, que acontece há vários anos. E não compactuo com nenhum messianismo do tipo “impactar a nação por meio de eventos”.

Falar de gigantismo e inchaço da Igreja brasileira tornou-se atitude recorrente nos últimos 20 anos, período no qual a população evangélica do país quase triplicou. Quais são, na sua opinião, os efeitos de tal avanço? Existem premissas equivocadas na tradição evangélica e na práxis desta Igreja?

Alguns efeitos são perigosíssimos. A Igreja passou a ser vista como outra força, entrando na disputa de poder. O crescimento acentuado enfraqueceu o zelo pelo conteúdo da mensagem. Isso promoveu sentimentos de ufanismo e triunfalismo desmedidos. Mas não ocorreu avivamento. O que aconteceu foi uma confluência de fatores sociológicos que explicam o crescimento do rebanho. Não é necessário enfatizar princípios espirituais para explicar o aumento do número de evangélicos.

O movimento da Igreja emergente, que tem ganhado força nos EUA, começa a influenciar lideranças no Brasil. Qual é o seu posicionamento acerca dele?

Depois de muitos anos de crescimento do fundamentalismo, nomes como Brian McLaren, Rob Bell e o próprio Phillip Yancey representam um certo ar fresco na ambiência evangélica dos Estados Unidos. Ainda assim, vejo o movimento como algo norte-americano, sem diálogo com outras tradições cristãs ao redor do mundo.

A dinâmica dos grupos pequenos cresce no contexto do Evangelho urbano. Eles vão representar necessariamente a extinção das grandes igrejas?

O futuro mais lúcido da Igreja Evangélica está nos pequenos grupos. As instituições não vão acabar; porém, não serão solo fértil para as grandes inovações. Enquanto as grandes igrejas repetem clichês, pessoas reunidas em grupos menores vão experimentar o enriquecimento da alma.

Quais foram os motivos da recente divisão ocorrida na Igreja Betesda, cujo núcleo em Fortaleza, no Ceará, desligou-se da sede em São Paulo?

Não houve desligamento de São Paulo. O que aconteceu foi uma divisão dentro da Betesda de Fortaleza. Um grupo alegou que minhas propostas teológicas eram “incompatíveis”. No entanto, na realidade tratava-se apenas de disputa interna de poder. Na época, a igreja perdeu alguns líderes e cerca de 40% dos membros.

Igrejas pentecostais como a Assembléia de Deus, à qual o senhor foi ligado, foram durante muito tempo estigmatizadas devido ao perfil de sua membresia, prioritariamente formada por pessoas dos estratos sociais mais populares. De acordo com sua observação, essa visão ainda persiste?

Um dos fenômenos comprovados em relação aos pentecostais foi a ascensão social do segmento. Obviamente, isso trouxe benefícios e problemas. A produção teológica e literária é um fator positivo. Por outro lado, muitas pessoas passaram a se comportar como os demais estratos da população, supervalorizando o status e outros sinais de riqueza. Daí para a teologia da prosperidade pregada pelos neopentecostais a distância foi curta.

“Ao tentar transformar-se em ciência, a teologia só conseguiu produzir uma caricatura do discurso racional, porque essas verdades não se prestam à demonstração científica.” As palavras são de Karen Armstrong, autora do livro Em nome de Deus – O fundamentalismo no Judaísmo, no Cristianismo e no Islamismo. Qual a face mais aguda do fundamentalismo no Cristianismo de hoje?

O fundamentalismo confunde fé com aceitação de conceitos doutrinários. Seus defensores acreditam numa verdade que pode ser totalmente abraçada a partir de certas lógicas. Crêem chegar a uma verdade plena, fechando-se ao diálogo.

Quem são, hoje, as lideranças e pensadores que influenciam sua atuação ministerial?

Além da ala “emergente” (Bell, McLaren), tenho lido autores católicos latino-americanos, como Juan Luis Segundo. Gosto bastante também das obras do espanhol Andrés Torres Queiruga, além de teólogos judeus como Jonathan Sacks e Abraham Heschel.

Ideologicamente, como o senhor se define?

Sou um pensador independente, de esquerda. Não acredito no neoliberalismo capitalista. Ele produz os excluídos. O Evangelho defende os pobres e os marginalizados.

O senhor é um autor bastante apreciado pelos crentes brasileiros. Qual sua opinião sobre a literatura evangélica em nosso país?

A produção literária evangélica é deficiente. A razão é o freio dogmático que gera pessoas mais preocupadas com a defesa da fé do que em produzir literatura.

Quais os autores que mais o influenciam?

Entre vários escritores que fazem parte da minha vida, posso citar José Lins do Rego, Machado de Assis, Thomas Mann e Victor Hugo. O clássico Os miseráveis é uma das minhas obras favoritas.

Lançado em 1998, É proibido (Mundo Cristão) é um de seus livros mais vendidos. Dez anos depois dele, o que a Bíblia permite e a Igreja ainda proíbe?

A Igreja brasileira ainda não soube, por exemplo, lidar com a questão do álcool. Os conceitos lembrados remetem à Lei Seca dos Estados Unidos. Portugal já resolveu essa questão de forma equilibrada há muito tempo e ninguém fica escandalizado ao ver um cristão tomar vinho.

E a relação do povo evangélico com a arte, por exemplo?

É esquizofrênica e mal-resolvida. Dicotomizaram as manifestações artísticas em “sacra” e “profana” – mas não fazemos essa mesma distinção na hora de ler um texto. Em resultado disso, os cristãos sofrem empobrecimento generalizado na hora de saborear e desfrutar da vida. As expressões mais belas de uma geração estão em sua produção artística.

No ano passado, a Editora Ultimato publicou Eu creio, mas tenho dúvidas, obra que traz vários de seus artigos. Quais são suas principais dúvidas e inquietações?

Reflito com freqüência sobre a banalidade da vida. Basicamente, essas reflexões são ressonâncias do livro de Eclesiastes: nem sempre o justo prevalece, nem sempre o forte vence, nem sempre a vida faz sentido...

Em mensagem pregada recentemente, o senhor afirmou que às vezes lhe vêm à mente pessoas que o machucaram, e confessou ter mágoa de algumas delas. Como é esse sentimento?

Tenho mágoa de pessoas que lidaram comigo a partir de rótulos e preconceitos. Tenho mágoa de pessoas que foram intelectualmente desonestas comigo, tentando desconstruir meus textos sem sequer ler as referências. Tenho mágoa de pessoas que me chamaram de “herege” e “apóstata”, uma verdadeira perversidade de gente que não conhecia toda a extensão das questões em debate. (Colaborou:Carlos Fernandes)

Fonte: Cristianismo Hoje

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

OMG News : “A teologia da prosperidade é demoníaca”, diz Ronaldo Didini

CRISTIANISMO HOJE – O senhor tornou-se uma referência para a mídia evangélica por ter comandado o 25ª Hora, exibido pela Rede Record nos anos 1990. Como foi aquela experiência?

RONALDO DIDINI – Foi uma experiência riquíssima, tanto do ponto de vista religioso como sociológico. Aquela foi a primeira vez que pastores evangélicos discutiram abertamente com a sociedade todos os problemas do nosso tempo. Quebramos barreiras, pois deixamos claro que o evangélico é um cidadão como qualquer outro. Ali, falávamos abertamente sobre qualquer assunto, sobre sexo, política, coisas então consideradas tabu em nosso meio, sem perder o compromisso com os valores da Palavra.

Como o senhor avalia a programação evangélica feita hoje no Brasil?

O que existe de melhor, a meu ver, é a combinação que a Igreja Mundial do Poder de Deus faz entre proclamação da Palavra e demonstração do poder de Deus. Também gosto de alguns programas que estudam a Bíblia nas madrugadas. Um exemplo são os programas de Silas Malafaia naquele horário, onde ele recebe pastores e gente interessante. Os peixes mais graúdos são os que estão ligados nessa hora, de madrugada. Quando alguém prega com mansidão e de maneira equilibrada nesse horário, em que a pessoa liga a TV porque precisa ouvir a Palavra, não há quem não se quebrante.

Com a entrada maciça dos evangélicos na televisão, não há uma “guerra santa” pela audiência?

Não creio. Por mais que o homem fale, quem está no controle da Igreja é o Espírito Santo. Mas podemos fazer uma leitura diferente do que acontece no Brasil. Em 1985, acabou o regime militar. As pessoas esperavam por algo novo, desejavam mudanças, inclusive na esfera espiritual, já que a presença católica era hegemônica. A abertura também trouxe esse novo momento, em que as igrejas passaram a ter liberdade para usar os meios de comunicação. Houve imaturidade, inconsistência? Sim. A sociedade e a Igreja não souberam medir isso. Por outro lado, a liberdade foi também exacerbada. Há dez anos, as crianças estavam dançando na boquinha da garrafa por causa da TV. Hoje, amadurecemos e não se vê mais isso. Acho que o mesmo aconteceu com a Igreja Evangélica em seu crescimento; agora, é preciso colocar os pés no chão e regrar isso.

Comenta-se a boca miúda que R.R.Soares paga R$ 5 milhões mensais à Bandeirantes e que Malafaia desembolsa outro tanto. Há informações de que sua igreja teria um investimento em TV estimado em 4 milhões por mês. Essas cifras são reais?

Não acredito que sejam reais, até porque, nesse caso, o mercado seria super-inflacionado e não haveria condições de se pagar tanto. O próprio mercado publicitário não teria condições de concorrer com esses valores. Vivo no meio e posso dizer que falam de números muito mais altos que os reais.

O Hora Brasil tem a mesma proposta do 25ª Hora?

O Hora Brasil funciona como se fosse um termômetro. Obviamente, do 25ª Hora para cá, a sociedade evoluiu muito. Hoje, cerca de 30% da população é evangélica. Eu chamo a sociedade para dialogar sobre assuntos religiosos, médicos, problemas sociais. Estou fazendo jornalismo e já pude observar algo interessante: uma preocupação generalizada com a preservação da família. Pessoas com as mais diferentes linhas de pensamento estão preocupados com o destino das famílias, com seus valores – ao contrário do que a mídia em geral incentiva, que é a falta de compromisso, a infidelidade conjugal, o individualismo e a libertinagem, que tanto marcam nosso tempo. Mas o Brasil não é uma Sodoma ou Gomorra. Isso é resultado do esforço feito ao longo dos anos por homens e mulheres de Deus para pregar o Evangelho, e que levou ao boom dos crentes na mídia. Os especialistas criticam esse avanço, mas ele é uma âncora de valores há muito esquecidos e desprestigiados. Infelizmente, esse avanço tem dois lados: o positivo, do qual já falei, e o negativo, que são os escândalos. Mas Jesus já disse que escândalos viriam. Temos que nos preocupar com os “ais” que os sucederão, para que não sejamos seus causadores. É preciso haver limites.

Quais são esses limites?

Fiquei assustado com o que fez o pastor Marcos Feliciano em seu programa. Ao mesmo tempo em que pregava o Evangelho, ele anunciava terrenos para as pessoas comprarem em prestações, dizendo que Deus abençoaria aquela compra. Isso ultrapassa o limite. Ao mesmo tempo em que se anuncia a salvação, vincula-se isso à venda de produtos para receber a bênção de Deus. Lógico que aquele comercial está sendo pago. Feliciano ultrapassou a barreira ética. Para mim, isso é oque existe de mais vulgar na teologia da prosperidade. A igreja precisa de fundos? Sim. Mas de onde vêm? Dos dízimos e ofertas. Apenas eles têm fundamento bíblico. Sem esse pastor perceber, creio que o próprio Deus o fez tropeçar para expor a nudez desses cruéis ensinos. A teologia da prosperidade é um câncer no segmento evangélico.

Por que o senhor critica tanto a teologia da prosperidade?

Porque ela é demoníaca. Penso que os líderes evangélicos deveriam se unir e dar um basta nesses ensinos. A teologia da prosperidade bateu no fundo do poço e já deveria haver uma conscientização de muitos líderes acerca disso. Todos que optam por esse caminho ficam satisfeitos apenas em ir bem financeiramente, não ter sofrimento de nenhum tipo. Querem ficar independentes, achando que não precisam de mais nada. Os pregadores da prosperidade não têm contato com o povo e não enxergam isso, porque são pobres, cegos, miseráveis e estão nus. O homem não tem que ditar regras a Deus e dizer a ele como e a que horas fazer o milagre. Minha crítica a essa teologia é que ela proclama aquilo que é terreno e não o que é sagrado, sobrenatural. Com o tempo, tal mensagem se desgasta e o resultado está aí. Eu fui missionário em nações muito pobres da África. Por que a teologia da prosperidade não funciona lá? Para responder essa questão, o teólogo da prosperidade não está preparado. Se não funciona lá, ela é antibíblica. Jesus falou que é mais fácil um camelo passar pelo fundo da agulha do que um rico entrar no Reino dos Céus. Ora, se a teologia da prosperidade fosse bíblica, todos seriam ricos e quase ninguém acabaria salvo. Pregar e acreditar na teologia da prosperidade é como construir um castelo na areia ou fazer um gigante com pés de barro – mais cedo ou mais tarde, tudo cairá.

Mas durante muito tempo o senhor militou em igrejas propagadoras da teologia da prosperidade... Quem mudou, suas ex-igrejas ou o senhor?

Não mudei o meu pensamento. Foi a obra do Espírito Santo, que me amadureceu. Sou muito grato por tudo que recebi na Igreja Universal e na Igreja da Graça. Não tenho nada contra essas instituições e nem contra seus líderes. Minha diferença é doutrinária. Uma coisa é enxergar, e outra é mudar, se for preciso, sair do sistema, quando ele se torna mais poderoso do que a Bíblia. O catolicismo está cheio de exemplos assim. Todos os padres sabem que não é uma bula papal que pode dizer que o líder é infalível ou que Maria subiu ao céu com seu corpo. Mas o sistema Católico Apostólico Romano requer que essa doutrina seja aceita, e muitos a defendem em nome de um sistema.

O senhor não teme ser considerado ingrato por seus ex-líderes?

Como eu disse, nada tenho contra Macedo ou Soares. Tanto, que quando eu saí da Universal, foi como que se perdesse meu chão. A Iurd para mim era mais importante que qualquer outra coisa na vida; eu amava aquele ministério, dava minha vida por ele. Depois, conheci a Igreja da Graça. O missionário Soares me ajudou muito naquela época, pastoreando minha vida por dois anos. Foi um verdadeiro pai, preocupando-se com minha alma, porque eu não estava bem espiritualmente. A teologia da prosperidade me fez um mal tremendo. Continuei caindo e bati no fundo do poço quando abri a igreja lá em Portugal [Igreja do Caminho, inaugurada por Didini em Lisboa em 2003]. Estava sozinho com minha mulher e duas malas de roupas começando uma igreja na periferia. Então, aprendi que ou dependia de Deus ou o meu ministério ia acabar. Deus me ensinou muito naqueles cinco anos, até me colocar ao lado do apóstolo Valdemiro.

O bispo Renato Suhett, que saiu atirando da Universal e até abriu uma igreja onde criticava abertamente o que chamava de “sistema religioso” montado por Edir Macedo, acaba de voltar à Iurd. O senhor já foi chamado para retornar á Universal?

Nunca fui chamado para retornar à Igreja Universal, até porque já disse publicamente que não tenho interesse em retornar. Aqui, na Mundial, é como que se eu tivesse voltado para a Iurd em que comecei nos anos 80, uma igreja viva. Creio que se o Renato Suhett voltou, sabe o que está fazendo. Mas eu estou em casa agora.

Rupturas no seio neopentecostal são comuns. Macedo e Soares começaram juntos a Universal, de onde o último saiu para fundar a Igreja da Graça. Valdemiro também é oriundo da Universal; o próprio Macedo começou na Nova Vida, de onde também saiu Miguel Ângelo, que dali fundou a Cristo Vive. As justificativas para a dança de cadeiras são sempre semelhantes, como a de divergências teológicas ou mudanças de visão – contudo, as novas igrejas que surgem acabam trazendo muito das denominações de origem, inclusive os aspectos que criticavam. O que acarreta tantas rupturas?

Uma árvore pode ter muitos ramos, muitos galhos. O importante é observar o que Jesus fala em João 15, e estar alicerçado nos ensinos de Cristo e na prática da verdade. Quando a igreja nasce pela vontade humana, para ser uma maneira de levar a vida, é complicado. Paulo também defende sua autoridade apostólica em Cristo. Por isso, não interessa quem pregou, se foi Paulo, Pedro ou Apolo – o importante é estar firmado em Jesus. No fim das contas, vejo que muitas ramificações poderiam ser evitadas se houvesse menos vaidade humana e mais compromisso com a videira verdadeira que é Jesus.

Então, as divisões acontecem porque cada um quer ter seu próprio espaço?

Nem sempre. O que o dedo faz, os olhos não podem fazer. Não importa a função de cada um; importa que Cristo seja o cabeça do corpo. A Igreja Mundial, por exemplo, tem uma função que as outras igrejas mais tradicionais ou adeptas de ensinos não ortodoxos não podem cumprir. Mas no momento em que algum órgão do corpo adoece, todo o organismo passa a sofrer. A Igreja de Cristo hoje precisa se voltar para a mensagem original e entender o recado: o agricultor é o Pai e a videira aqui é Jesus. Então, vamos parar de vaidade! Eu, por exemplo, quando assumi a Igreja Internacional da Graça de Deus em Portugal, tornei-me vice-presidente vitalício da denominação. Poderia hoje reivindicar isso, já que nunca renunciei. Mas jamais chegaria lá e tentaria tomar a igreja. O verdadeiro pastor é Jesus. Acredito que se existir essa consciência, haverá menos ramificações.

Pode explicar como foi sua adesão à Igreja Mundial?

Sou amicíssimo do apóstolo Valdemiro. Talvez seja uma das pessoas mais chegadas a ele, fora sua família. Mas não vim para cá só pela amizade. Nunca daria certo. Primeiro, reconheci que a Mundial era um movimento de fé muito forte, e depois comecei a observá-la. Fiz quatro viagens para o Brasil e observei claramente o reavivamento bíblico no século 21. Depois veio a fase mais difícil, a de submeter-me à autoridade espiritual dele, sendo seu amigo. Então, peguei a chave da minha igreja e dei na mão dele, dizendo: “Seu trabalho é maior que o meu. Você é mais importante que eu em Portugal”. E vim para ajudá-lo com os dons que Deus me deu. Acredito que estou em uma fase na qual Deus não quer me ensinar mais. É hora de dar frutos, pois ele já investiu muito em mim.

O senhor tem salário na igreja?

Não. Tenho funções executivas na Igreja Mundial, mas não sou funcionário, não recebo qualquer benefício financeiro. Sou contratado como jornalista pela Rede Bandeirantes. Pela misericórdia de Deus, eu moro numa boa casa, tenho um bom carro, visto boas roupas, mas nada disso me pertence, é dado pelo Senhor. Por isso, posso exercer com liberdade minha vocação. Aliás, esse foi o motivo por que saí da Graça. Comecei a me sentir um funcionário da igreja, sem aquele algo mais, sem um desafio. Eu tinha o mais alto salário, carro à disposição, liberdade para pregar em qualquer lugar; todos os pastores da Graça me tratavam muito bem, eu era sempre recebido com festa. Mas não me sentia bem como executivo, com tarefas meramente burocráticas dentro de uma organização. Resolvi sair. Hoje, aprendi a lição.

Quando estava em Portugal, o senhor se queixava de que os evangélicos brasileiros enfrentavam muitas restrições lá. Essa situação ainda persiste?

Persiste e piora. Digo isso por causa dessa lei xenófoba da imigração. Quase não são liberados vistos para brasileiros. O segundo problema gravíssimo que presenciei lá, quando participei de um congresso da Assembléia de Deus portuguesa, é que não há comunhão entre a Assembléia de Deus brasileira e a de lá. O pastor Joel, filho do José Wellington [presidente da Convenção Geral das Assembléias de Deus do Brasil], esteve presente também. As lideranças portuguesas não aceitam os pastores brasileiros que são enviados para lá. Como o Brasil se tornou um exportador de missionários, maior é a rejeição. No mundo inteiro, especialmente na Europa, igrejas com lideranças brasileiras atraem apenas público brasileiro. As únicas exceções são trabalhos com negros, que são imigrantes também, vindos de lugares como Cabo Verde, Quênia, Jamaica, Nigéria.

Fonte: Cristianismo Hoje

terça-feira, 26 de outubro de 2010

OMG News: Max Lucado: Precisamos hoje de um Evangelho simples

A passagem de João 3.16, também chamado de “texto áureo” da Bíblia, é certamente a mais lida e pregada da Escritura. Por que o senhor o escolheu como base do seu novo livro?

Sou pastor, e todos os meus livros são para a Igreja – ou seja, eu os faço pensando na Igreja, e ela necessita saber que estamos numa época em que precisamos estudar um Evangelho simples. E como fazer isso? Explicando tudo numa frase bem simples, expressando opiniões mais simples ainda. Então, considero o texto de João 3.16 como uma passagem ideal. O curioso é que a primeira vez em que pensei neste livro foi em 1998, quando ouvi uma música da cantora Jacy Velasquez baseada justamente na passagem de João 3.16. Aí, uma pessoa me deu a idéia de escrever um livro baseado também naquele texto. Bem, passados estes anos, aí está o livro.

Por que o dia 11 de setembro, data tão emblemática para a humanidade, foi escolhida para o lançamento mundial de um livro que fala justamente da antítese do ódio?

Há uma maneira de comparar 9/11 com João 3.16 – e é precisamente a contraposição do medo contra a esperança.

Na sua opinião, o que mudou na Igreja após aquele episódio? Ela também perdeu um pouco da sua esperança? E agora, passados seis anos dos atentados, como os cristãos americanos lidam com a questão?

Infelizmente, nada mudou desde então. Eu me lembro de que nos primeiros dias após o atentado, todas as igrejas estavam lotadas. Só que o tempo passou e as pessoas não permaneceram naquela busca pelo Senhor. Agora, está tudo normal. Infelizmente, o cristianismo não influencia os Estados Unidos. Aliás, os Estados Unidos não são um país cristão, mas um país que tem cristãos. Um país cristão glorifica a Cristo em suas decisões e os Estados Unidos não estão fazendo isso. Eu acho que os Estados Unidos não estão crendo no Senhor como a Coréia do Sul, o Brasil ou a China.

Qual sua expectativa quanto ao efeito de João 3.16 sobre os leitores?

Eu tenho duas expectativas. Uma delas é a de alcançar as pessoas que não são discípulos de Cristo – para isso, quis apresentar-lhes um livro que explicasse o Evangelho de forma simples. A outra é edificar os cristãos, fazendo-os entender o Evangelho. Eu quis descomplicar as coisas importantes da Palavra de Deus.

Mas o livro tem alguns capítulos que abordam temas bem complicados, como a existência do céu e do inferno. Algumas modernas interpretações da Bíblia têm procurado relativizar essa doutrina, sugerindo que um Deus tão amoroso jamais lançaria pessoas no inferno, e que este termo, na realidade, significaria apenas “sepultura”. O senhor considera que as referências ao céu e ao inferno, na Palavra, são literais e referem-se mesmo a estados eternos a que serão destinadas todas as pessoas?

Eu procurei achar todas as possibilidades e caminhos para concordar com as pessoas que dizem que não existe literalmente o inferno. Mas, simplesmente, não concordo com isso. As Escrituras descrevem uma punição eterna com a mesma convicção que falam sobre a existência do céu. Eu estou convencido de que o inferno existe de fato – e é o destino eterno das pessoas que passam a vida inteira dizendo para Deus as deixarem a sós. Pois no final, é exatamente isso que Ele irá fazer.

Desde o lançamento de O maior vendedor do mundo, de Og Mandino, os temas motivacionais e princípios da auto-ajuda ensejaram o surgimento de um dos principais gêneros literários da atualidade. Qual a sua opinião acerca deste tipo de literatura?

A auto ajuda é uma boa idéia – mas uma mão limpa não pode ajudar a limpar uma suja. Logo, os princípios da auto-ajuda não são suficientes para o ser humano. Por isso, temos que buscar ajuda de outro lugar. Precisamos ter ajuda de Deus. É por isso que eu prefiro a Cristo-ajuda...

Mas esses temas também têm influenciado fortemente a literatura evangélica. Como conciliar, então, os princípios da auto-ajuda, que visam ensinar as pessoas a resolver seus problemas, com a fé cristã, que enfatiza a dependência irrestrita de Deus?

Bem, todo mundo precisa de encorajamento – e, por isso, todo mundo precisa atualmente da mensagem de Cristo sobre a cruz e a ressurreição. No entanto, não podemos sacrificar o Evangelho. Só encorajar não é suficiente. Temos que tratar o pecado, explicando sua natureza e mostrando o Salvador, mas não abrindo mão do Evangelho.

O que sabe da aceitação de seus livros no Brasil?

Fico feliz porque sempre recebo muitas cartas de brasileiros, que fazem questão de me encorajar e incentivar.

Que lembranças o senhor guarda do período em que viveu no Brasil?

Tenho um amor especial pelo Brasil! É o melhor povo do mundo. Os brasileiros me ensinaram muito sobre relacionamento. Na juventude, eu passei um verão no Brasil como estudante universitário. Então, acabei me apaixonando pelo país, e desde então sabia que o seu país era onde eu queria morar. Eu tenho três filhas, sendo duas nascidas no Brasil; logo, eu e minha família temos raízes profundas com esse país. Eu ainda tenho muito amigos no Brasil, especialmente nas cidades do Rio de Janeiro, Natal, Recife e São Paulo. Eu também tenho lembranças de Porto Alegre e Curitiba. Foi um privilégio viver aqueles anos em seu país.

E pensa em voltar a residir no Brasil?

Não. Mas adoraria uma nova estada prolongada.

A publicação do documento Respostas a questões relativas a alguns aspectos da doutrina sobre a Igreja, no qual o Vaticano arvora para o catolicismo a condição de “única Igreja de Cristo”, foi um duro golpe no processo de aproximação da Igreja Católica das demais correntes cristãs. Como escritor que também é maciçamente lido por católicos, o que o senhor pensa acerca deste enfrentamento?

Eu acho que ser cristão é ser uma pessoa cujo Deus é o Senhor e que tem a Jesus Cristo como único salvador. Ora, não podemos ser salvos sem Cristo! Eu não acho que todos os caminhos levam a Deus. O que faz uma pessoa cristã não é a igreja que ela freqüenta; por isso, acho que há verdadeiros cristãos tanto na Igreja Católica quanto nas igrejas protestantes. Todavia, há muitos católicos que não são cristãos, como também há muitas pessoas que pertencem a igrejas evangélicas que não o são.

Em seu livro Dias melhores virão, o senhor defende a crença no fato de que o Senhor sempre está no controle da situação – mesmo em casos de extremo infortúnio, como a doença e a morte, tema também presente em Aliviando a bagagem, Ele ainda remove pedras e diversas outras obras suas. Mesmo para o cristão, manter a fé diante do mundo de hoje não está cada vez mais difícil?

Sim, está. Eu acho que é muito difícil ser cristão. Principalmente, nos Estados Unidos, onde o secularismo é uma religião – ou seja, só se acredita vendo. Por causa disso, as pessoas não oram, pois só acreditam no que vêem. O que eu gosto no Brasil é que os brasileiros acreditam que existe um mundo espiritual, crêem na existência de anjos etc.

Na sua opinião, o cristão tem uma percepção correta do sofrimento e do seu significado?

É muito necessário a gente entender o propósito do sofrimento. Ele é a ferramenta usada por Deus para tratar o caráter humano. A Bíblia diz que o sofrimento nos prepara para sermos fortes; ele nos prepara para a vida eterna. E é fundamental ressaltar que a Palavra de Deus não nos revela que não teríamos sofrimentos – mas afirma que Cristo nos fortaleceria nestes momentos.

A teologia da prosperidade, de matriz americana, influenciou fortemente a Igreja Evangélica brasileira. Um de seus pressupostos básicos é justamente a eliminação do sofrimento nesta vida. Mas percebe-se que hoje tem havido um certo “cansaço”, sobretudo em relação a promessas dos líderes que não se concretizam na vida dos fiéis. O que o senhor pensa da confissão positiva?

Eu não acho bom dizer às pessoas que, quando elas se tornarem cristãs, vão ter coisas materiais. E tenho problemas com aqueles que dizem que, quando o indivíduo se converte, vai ganhar dinheiro, não vai ter doenças... Mas a promessa de Cristo é a de nos fortalecer no meio dos problemas, e não, que a gente não vai tê-los.

O que mudou no Max Lucado escritor desde o lançamento de seu primeiro livro?

O que mudou (risos)? Hoje em dia, eu tenho mais dead line (Da redação: Trata-se de expressão utilizada no segmento editorial e se refere aos prazos para fechamento de textos e entrega de originais). Agora, eu trabalho muito mais no computador do que antes. Eu escrevi meus primeiros livros na época em que morava no Rio de Janeiro. Naquele tempo, eu os escrevia entre dez e meia da noite e meia-noite... Só que agora, uso o meu tempo integral para escrever.

Agora, uma pergunta inevitável: qual o segredo do sucesso dos seus livros?

Olha, eu não sei o porquê de os meus livros serem bem recebidos. Simplesmente, não tenho explicação para isso. Eu apenas gosto de escrever para pessoas que não gostam de ler, pois sou uma pessoa bem simples.

Por que o senhor resolveu aposentar-se do pastorado da Oak Hills Church, congregação onde exerceu o ministério desde 1987?

Na verdade, não estou me aposentando. Só estou mudando de cargo, já que vou ficar trabalhando como professor da Bíblia. Acontece que conciliar o ofício de escritor com o cargo de pastor principal é demais. Só estou simplificando as coisas...

Em João 3.16, Deus apresenta seu amor infinito ao homem. Como o senhor tem vivenciado este amor na sua vida?

O amor de Deus é a coisa mais importante da minha vida. Eu lutei muito com o Senhor nos primeiros dias da minha conversão. Era alcoólatra e achei que Deus poderia me perdoar; e aí, finalmente, comecei a acreditar nesse amor divino e efetivamente cri que Deus pode nos perdoar.

Em recente entrevista a uma revista americana, o senhor abordou essa sua relação com o álcool – tema considerado tabu no segmento evangélico, que consideram seu consumo como pecado. Por que o senhor resolveu tocar no assunto?

O abuso do álcool é parte da minha história, pois me envolvi cedo com a bebida. Mas, graças a Deus, beber excessivamente não é mais uma tentação para mim.

Logo, Deus é o Deus da segunda chance?

E da terceira, da quarta...

Fonte: Cristianismo Hoje

domingo, 24 de outubro de 2010

OMG News : "Estão trocando o Evangelho de Cristo por um outro evangelho"

É inevitável começar esta entrevista com a pergunta que dá titulo ao seu livro: o que estão fazendo com a Igreja?

Infelizmente, muita coisa ruim – desde desfigurá-la, passando uma imagem ao público de que todos os evangélicos e seus pastores são mercenários que vivem para fazer barganhas com Deus em troca de bênçãos, até destruí-la internamente, trocando o Evangelho de Cristo por um outro evangelho. Um evangelho despido de poder, realidade histórica e eficácia salvadora, que é ensinado pelos liberais. Aqui entram também os hiperconservadores, às vezes chamados de neopuritanos, com sua visão radical de culto.

Quais os efeitos da pós-modernidade sobre a Igreja?

A pós-modernidade facilitou e aumentou a influência do liberalismo, do relativismo e do pragmatismo na Igreja brasileira, ainda que esses movimentos e tendências sejam tão antigos quanto a própria Igreja. A presente época, marcada pela pós-modernidade, facilita a penetração desses elementos na vida, liturgia e missão das igrejas evangélicas, como de fato temos presenciado. E por outro lado, existem líderes evangélicos que conscientemente constroem ministérios, igrejas e movimentos que se apóiam em métodos e ideologias liberais, relativistas e pragmáticas. O que essas coisas têm em comum é que sempre representam uma tentação para corromper o Evangelho bíblico, quer pelo apelo à soberba humana, quer por um tipo de Cristianismo descompromissado, ou ainda pela oferta enganosa de resultados extraordinários em curto espaço de tempo.

A crise de ortodoxia do Evangelho contemporâneo, bem como o pós-denominacionalismo, é resultado direto deste processo?

Sem dúvida. O relativismo representa uma ameaça concreta à Igreja, pois a mesma se firma sobre verdades universais e imutáveis, como a existência do Deus Trino; a humanidade e divindade de Jesus Cristo; sua morte vicária e sua ressurreição real e física de entre os mortos; a salvação pela fé sem as obras da lei; e a segunda vinda de Cristo. A Igreja defende também uma ética centralizada no amor que, segundo Jesus e seus apóstolos, consiste em obedecer a Deus e aos seus mandamentos. Todavia, o relativismo rejeita o conceito de verdades absolutas e internaliza a verdade no indivíduo.

E qual o efeito prático disso?

O questionamento à autoridade da Bíblia, ao caráter único do Cristianismo e ao comportamento ético pregado historicamente pelos cristãos. Mas, num certo sentido, o relativismo pode representar uma oportunidade para o Cristianismo em ambientes pós-cristãos, onde a fé cristã já foi excluída a priori. Por exemplo, no ambiente das universidades, o discurso é geralmente anticristão, relativista, pluralista e inclusivista. Os cristãos podem, em nome da variedade e da pluralidade, pedir licença para falar, já que, de acordo com a pós-modernidade, todos os discursos são iguais e válidos – e nenhum é melhor do que o outro.

O movimento evangélico brasileiro, tão numeroso e multifacetado, está perto de seu fim?

Não creio que o movimento evangélico brasileiro chegue a um fim, mas temo que esse processo de desfiguramento e de enfraquecimento teológico e doutrinário, levado a cabo por liberais, neopentecostais, libertinos e neopuritanos, acabe transformando a Igreja brasileira em algo distinto da Igreja bíblica. Por outro lado, como sempre existiram os sete mil que nunca dobraram os joelhos a Baal, é provável que, paralelamente, aconteça o fortalecimento de denominações, ministérios e grupos evangélicos que prezam a Bíblia – gente que valoriza as práticas devocionais como oração, meditação e santidade bíblica e que tem visão evangelística e missionária. Já no momento atual é possível identificar esse crescimento, embora em dimensões menores do que gostaríamos. Quanto ao perfil dessa nova Igreja, fica difícil prever.

Uma das críticas que o senhor faz é à ênfase na formação teológica liberal, que seria uma espécie de “coqueluche” dos teólogos de hoje, interessados numa graduação reconhecida sob o ponto de vista acadêmico. Neste sentido, o reconhecimento oficial aos cursos de teologia, uma antiga bandeira do segmento evangélico, veio para melhorar ou piorar as coisas?

Em si, o reconhecimento oficial de um diploma de teologia não representa qualquer perigo para a Igreja. Mas o problema não é o isso, e sim, o conteúdo que será ministrado aos alunos que buscam uma formação reconhecida pelo Ministério da Educação. Da minha parte, creio ser possível termos um curso de teologia reconhecido oficialmente e que apresente uma teologia bíblica e saudável. Todavia, nem sempre tem sido esse o caso.

Como assim?

Esse reconhecimento tem sido oferecido, freqüentemente, através de cursos de teologia de faculdades e universidades públicas e privadas que não têm compromisso com a confessionalidade cristã histórica. É verdade que o reconhecimento oficial dos cursos de teologia é uma antiga bandeira do segmento evangélico. Só que, quando os evangélicos queriam isso, os cursos de teologia reconhecidos eram oferecidos por instituições de ensino superior que tinham tradição cristã. Além disso, eram dirigidas por cristãos comprometidos com a teologia histórica da Igreja, como Princeton nos Estados Unidos e a Universidade Livre na Holanda, por exemplo. Atualmente, grande parte dos professores de alguns desses cursos obtêm seus diplomas e graus de mestre e doutor em escolas liberais – e nem sempre na área de teologia, mas em ciências da religião, sociologia, psicologia, antropologia, letras etc.

O problema, então, é o que professores com este tipo de formação vão ensinar?
Não é tanto o que eles ensinam, mas o que deixam de ensinar, exatamente porque não tiveram uma sólida formação teológica debaixo de orientação bíblica. Quem mais tem sentido o impacto do liberalismo teológico em sua mão de obra são as igrejas pentecostais, que por não terem tradição em preparar seus obreiros, acabam recorrendo a esses cursos e expondo seus pastores, evangelistas e obreiros à teologia liberal.

Em sua obra, o senhor fala na existência de uma esquerda teológica que valoriza o liberalismo, não apenas nas questões religiosas, mas sobretudo comportamentais. Num panorama em que a esquerda política, atualmente no poder, parece confusa e adota posturas flagrantemente neoliberais, esta confusão ideológica também contamina o segmento evangélico?

Acho que sim. Não é coincidência que um grande segmento evangélico esteja defendendo bandeiras liberais, como o aborto, o reconhecimento das uniões homoafetivas, o sexo antes do casamento... Essa atitude de tolerância e relativismo é a mesma que sempre marcou o esquerdismo no Brasil. Não estou dizendo que todo evangélico esquerdista é liberal e defende essa agenda; mas que existe uma coincidência de valores éticos e de agenda.

O movimento evangélico brasileiro é tão diversificado quanto as milhares de denominações que o compõem. No atual panorama, identificado no seu livro, esta diversidade traz mais vantagens ou desvantagens?

Acredito que a diversidade é sadia e bíblica. Entendo, porém, que existe uma unidade essencial e básica entre os verdadeiros cristãos, que pode ser resumida nos fundamentos da fé bíblica. Os verdadeiros evangélicos confessam estes fundamentos, e vamos encontrá-los em todas as denominações que compõem a Igreja Evangélica brasileira. Mas vamos encontrar também quem não crê em nenhuma dessas coisas, ou que nutrem reservas quanto a elas. Eu não tenho problemas com a diversidade, pois acho-a enriquecedora. Tenho divergências inclusive com irmãos e colegas que são reformados calvinistas como eu. Todavia, existe uma unidade essencial mais forte e superior às divergências. Teologia tem um poder tremendo para unir as pessoas ou para separá-las, pois tem a ver com convicções e experiências pessoais.

A partir dos anos 1980, o advento da teologia da prosperidade e da confissão positiva mudou a maneira de se pensar a fé evangélica no país. Qual a verdadeira influência destas correntes na crise do movimento evangélico nacional?

A confissão positiva acabou exercendo uma grande influência sobre os evangélicos brasileiros. Na minha opinião, todavia, ela não é a maior influência negativa. Considero a teologia da prosperidade, a busca de experiências místicas, as crendices e superstições que infestam os arraiais neopentecostais como sendo de maior periculosidade para a Igreja. Quanto ao segmento reformado, por sua própria natureza, ele é mais resistente à essas infecções e pouca influência recebeu – mas tem, entretanto, sofrido mais com outros tipos de problemas, especialmente com sua incapacidade, até o momento, de crescer de forma significativa sem perder o compromisso com a fé histórica da Igreja.

Se muitos dos postulados neopentecostais vão de encontro à tradição protestante, em quê o segmento histórico falhou, ou pelo menos hesitou, para que, a partir dos anos 1970, o neopentecostalismo crescesse em proporções geométricas no cenário evangélico nacional?

Boa pergunta. É interessante que, na década de 1950, a Igreja Presbiteriana era uma das maiores denominações evangélicas do país. Por algum motivo, perdemos o bonde. Não sei avaliar direito o que aconteceu. Pode ser que tenhamos exagerado na reação aos abusos do movimento carismático na década de 70 e nos fechamos na defensiva. Ficou difícil, naquela época, falar do Espírito Santo e de reavivamento espiritual sem sermos confundidos com carismáticos e pentecostais. Pode ser também que reagimos da mesma forma diante do crescente movimento litúrgico e do movimento de crescimento de igrejas, com toda sua parafernália metodológica centrada no homem – movimentos estes que dominaram o cenário dos anos 70 a 80. E depois, a mesma coisa diante dos neopentecostais. Não conseguimos ainda sair da defensiva e ser mais proativos, oferecendo alternativas, soluções – e o que é melhor, oferecer nosso próprio exemplo de como uma igreja pode crescer de maneira sadia, sem comprometer a teologia e a ética bíblica.

Então, o liberalismo teológico também afetou as igrejas tradicionais?

Sim, afetou tremendamente as igrejas históricas nos anos 60, especialmente os seus seminários. Isso causou graves problemas e disputas internas, que obrigaram essas igrejas a relegar o crescimento a um plano secundário e a se concentrarem na própria sobrevivência. As igrejas históricas que não conseguiram sobreviver ilesas hoje são as menores entre os evangélicos, mais voltadas para o social e ainda em lutas internas com os liberais que sobreviveram dentro de suas organizações e estruturas. Já as que conseguiram sair inteiras, embora chamuscadas, começam lentamente a progredir e retomar seu crescimento, como creio ser o caso da Igreja Presbiteriana do Brasil.

Por que lideranças autocráticas e monolíticas, cada vez mais comuns nas igrejas, são aceitas pelos fiéis?

Em minha opinião, é o que chamo em meu livro de “a alma católica dos evangélicos brasileiros”. Os brasileiros estão acostumados com o catolicismo romano e sua hierarquia eclesiástica totalitária. Por séculos, o romanismo impregnou a alma brasileira com a idéia de que a religião deve ser conduzida por líderes acima do povo, que vivem numa esfera superior; enfim, intocáveis. No romanismo, os líderes não são eleitos pelo povo, como acontece na maioria das igrejas históricas, cujo sistema de governo é democrático – eles são impostos, determinados, designados. Além disso, são considerados como especiais e distintos; é o clero separado dos leigos. As ordens eclesiásticas são um dos sacramentos da Igreja Católica. E os brasileiros viveram sua vida toda debaixo da influência de uma religião regida por bispos e por um papa, o qual, segundo um dogma católico, é infalível. Nada mais natural, portanto, que ao se tornarem evangélicos, suspirem e desejem o mesmo esquema de liderança, como os israelitas que disseram a Samuel que constituísse um rei sobre eles, para que os governasse, como o tinham as outras nações à sua volta, conforme I Samuel 8.5. Essa mentalidade romana favorece o surgimento, entre os evangélicos, de líderes autocráticos e autodesignados, que se arrogam o título e o status de bispos ou apóstolos.

Fonte: Cristianismo Hoje