A imprensa deve ser laica - independente de instituições religiosas. Disse em entrevista a Band Eugênio Bucci, professor doutor da USP (Universidade de São Paulo) e ex-presidente da Radiobrás. “Sem essa independência, ela deixa de ser capaz, como instituição, de vigiar o poder, que, às vezes, pode ter nas religiões um de seus vetores mais fortes”. Essa é a minha opinião.
A legitimidade de veículos jornalísticos com vínculos religiosos, porém, não é descartado pelo professor, desde que haja transparência. “O próprio Vaticano tem seu jornal”, diz.
Autor do livro “Sobre Ética e Imprensa”, Bucci defende a divulgação pela imprensa da denúncia do Ministério Público de São Paulo (MP-SP) contra a Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd). “A radiodifusão é uma concessão pública, regida por leis e princípios constitucionais. Se algo nessa matéria está sob discussão na Justiça, o assunto interessa a todos os cidadãos.”
Leia a seguir trechos da entrevista, concedida por telefone e e-mail ao eBand:
A Globo é acusada de atacar a Record, mas, também, de não falar das concessões mantidas pela Igreja Católica. Diante dessas acusações é possível considerar a imprensa como laica?
Como instituição, a imprensa é, sim, laica. Deve ser laica, ou seja, deve guardar independência em relação às igrejas e às máquinas religiosas. Sem essa independência, ele deixa de ser capaz, como instituição, de vigiar o poder, que, às vezes, pode ter nas religiões um de seus vetores mais fortes. A presença da Igreja Católica nos meios de comunicação deve ser analisada do mesmo modo, é evidente. Muitas emissoras transmitem cultos católicos e não transmitem, de modo análogo, cerimônias de outras religiões, o que cria, é claro, um desnivelamento entre a visibilidade de todos os cultos presentes em nossa cultura.
O senhor diz que grande parte da imprensa é laica, mas, segundo reportagem do jornal “Folha de S. Paulo”, as receitas da Iurd manteriam 23 emissoras de TV, 42 emissoras de rádios próprias e 36 rádios arrendadas.
É preciso verificar se as receitas da Igreja Universal de fato financiam emissoras de rádio e TV. Se isso estiver acontecendo, constituiria uma irregularidade. É o que cabe à Justiça apurar e julgar. Não descarto a legitimidade de veículos jornalísticos vinculados a instituições religiosas. O próprio Vaticano tem seu jornal.
O importante, nesses casos, é que os vínculos sejam claros para o público, que tem o direito de saber de que forma e em que medida os postulados religiosos influenciam a orientação editorial desse veículo. Desde que isso esteja absolutamente transparente, a informação publicada nesses veículos estará dentro dos padrões de honestidade.
Mesmo assim, a imprensa, como instituição, tem primado por ser laica. Veículos com filiações religiosas ou partidárias constituem exceções à regra. Eles devem ter assegurado o seu direito de existir, é evidente, mas não podem se pretender observadores independentes em assuntos religiosos. Eles têm uma opção, um "partido" por assim dizer, e têm por dever ético deixar isso bastante claro para o público.
Um dos argumentos da defesa da Iurd e de parlamentares evangélicos é que a investigação do MP-SP e as notícias veiculadas pela imprensa são requentadas. O que o senhor acha?
Os fatos que temos até agora é que um juiz recebeu o caso e pediu a manifestação das partes, como é o procedimento legal e habitual. Não estamos aqui falando de notícias, requentadas ou não, mas de um processo judicial, cuja evolução vai esclarecer o que é acusação nova e o que já transitou em julgado. Portanto, a evolução dessa cobertura depende das próximas decisões do Poder Judiciário.
Há um ataque da Globo contra a Record ou é uma retórica defensiva?
A cobertura do Jornal Nacional (JN), na terça-feira, com aproximadamente dez minutos, foi, de fato, bastante enfática. Há margem para que alguns afirmem que o peso dedicado ao assunto tenha sido superdimensionado, mas isto - é fundamental termos claro - é uma decisão editorial que cabe ao próprio telejornal. O que não é bom que aconteça é distorção dos fatos. Do meu ponto de vista, considero um dever, não só do JN, mas de todos os veículos jornalísticos do País, informar com toda a clareza sobre as implicações desse processo judicial. A radiodifusão é uma concessão pública, regida por leis e princípios constitucionais. Se algo nessa matéria está sob discussão na Justiça, o assunto interessa a todos os cidadãos. Tanto do lado da Globo como do lado da Record, seria lamentável que interesses comerciais contaminassem o fiel relato dos fatos e os esclarecimentos devidos à sociedade.
Apesar de ilegal, os investimentos de dízimo dos fiéis em um meio de comunicação poderia ser considerado legítimo por representá-los?
Não é legítimo que recursos obtidos de doações de fiéis para igrejas sejam convertidos em investimento em empresas comerciais. O regime jurídico que se aplica às igrejas não é o mesmo que rege as empresas de radiodifusão. Por isso, qualquer transação não declarada e não oficializada entre uma esfera e outra deve ser investigada. Mas, atenção: digo isso como um ponto de princípio, que se aplica a qualquer igreja e qualquer emissora de rádio ou TV. Não posso nem devo, aqui, estabelecer qualquer prejulgamento sobre as dúvidas que agora pairam nesse processo da Rede Record. Isso será julgado pela Justiça. De toda forma, não se pode falar em legitimidade quando se verifica o deslocamento não transparente de recursos financeiros de uma igreja para uma rede ou uma emissora. Esse tipo de movimentação, se comprovada, não é legal nem é legítima.
Pode-se comparar os conflitos éticos na Radiobrás e na Record ?
Em linhas gerais, vários aspectos éticos de empresas públicas e particulares são semelhantes. Eu tenho apenas uma cautela, e já escrevi sobre isso, quando nós temos programas religiosos que difundem preconceitos contra outras religiões. Fora isso, pode haver interferência e interesses religiosos em qualquer emissora de radiodifusão. A questão passa muito mais pelo editor, orientação do programa ou por simpatias pessoais. Não é um fenômeno que se restrinja ao caso da Record de forma nenhuma.
A legitimidade de veículos jornalísticos com vínculos religiosos, porém, não é descartado pelo professor, desde que haja transparência. “O próprio Vaticano tem seu jornal”, diz.
Autor do livro “Sobre Ética e Imprensa”, Bucci defende a divulgação pela imprensa da denúncia do Ministério Público de São Paulo (MP-SP) contra a Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd). “A radiodifusão é uma concessão pública, regida por leis e princípios constitucionais. Se algo nessa matéria está sob discussão na Justiça, o assunto interessa a todos os cidadãos.”
Leia a seguir trechos da entrevista, concedida por telefone e e-mail ao eBand:
A Globo é acusada de atacar a Record, mas, também, de não falar das concessões mantidas pela Igreja Católica. Diante dessas acusações é possível considerar a imprensa como laica?
Como instituição, a imprensa é, sim, laica. Deve ser laica, ou seja, deve guardar independência em relação às igrejas e às máquinas religiosas. Sem essa independência, ele deixa de ser capaz, como instituição, de vigiar o poder, que, às vezes, pode ter nas religiões um de seus vetores mais fortes. A presença da Igreja Católica nos meios de comunicação deve ser analisada do mesmo modo, é evidente. Muitas emissoras transmitem cultos católicos e não transmitem, de modo análogo, cerimônias de outras religiões, o que cria, é claro, um desnivelamento entre a visibilidade de todos os cultos presentes em nossa cultura.
O senhor diz que grande parte da imprensa é laica, mas, segundo reportagem do jornal “Folha de S. Paulo”, as receitas da Iurd manteriam 23 emissoras de TV, 42 emissoras de rádios próprias e 36 rádios arrendadas.
É preciso verificar se as receitas da Igreja Universal de fato financiam emissoras de rádio e TV. Se isso estiver acontecendo, constituiria uma irregularidade. É o que cabe à Justiça apurar e julgar. Não descarto a legitimidade de veículos jornalísticos vinculados a instituições religiosas. O próprio Vaticano tem seu jornal.
O importante, nesses casos, é que os vínculos sejam claros para o público, que tem o direito de saber de que forma e em que medida os postulados religiosos influenciam a orientação editorial desse veículo. Desde que isso esteja absolutamente transparente, a informação publicada nesses veículos estará dentro dos padrões de honestidade.
Mesmo assim, a imprensa, como instituição, tem primado por ser laica. Veículos com filiações religiosas ou partidárias constituem exceções à regra. Eles devem ter assegurado o seu direito de existir, é evidente, mas não podem se pretender observadores independentes em assuntos religiosos. Eles têm uma opção, um "partido" por assim dizer, e têm por dever ético deixar isso bastante claro para o público.
Um dos argumentos da defesa da Iurd e de parlamentares evangélicos é que a investigação do MP-SP e as notícias veiculadas pela imprensa são requentadas. O que o senhor acha?
Os fatos que temos até agora é que um juiz recebeu o caso e pediu a manifestação das partes, como é o procedimento legal e habitual. Não estamos aqui falando de notícias, requentadas ou não, mas de um processo judicial, cuja evolução vai esclarecer o que é acusação nova e o que já transitou em julgado. Portanto, a evolução dessa cobertura depende das próximas decisões do Poder Judiciário.
Há um ataque da Globo contra a Record ou é uma retórica defensiva?
A cobertura do Jornal Nacional (JN), na terça-feira, com aproximadamente dez minutos, foi, de fato, bastante enfática. Há margem para que alguns afirmem que o peso dedicado ao assunto tenha sido superdimensionado, mas isto - é fundamental termos claro - é uma decisão editorial que cabe ao próprio telejornal. O que não é bom que aconteça é distorção dos fatos. Do meu ponto de vista, considero um dever, não só do JN, mas de todos os veículos jornalísticos do País, informar com toda a clareza sobre as implicações desse processo judicial. A radiodifusão é uma concessão pública, regida por leis e princípios constitucionais. Se algo nessa matéria está sob discussão na Justiça, o assunto interessa a todos os cidadãos. Tanto do lado da Globo como do lado da Record, seria lamentável que interesses comerciais contaminassem o fiel relato dos fatos e os esclarecimentos devidos à sociedade.
Apesar de ilegal, os investimentos de dízimo dos fiéis em um meio de comunicação poderia ser considerado legítimo por representá-los?
Não é legítimo que recursos obtidos de doações de fiéis para igrejas sejam convertidos em investimento em empresas comerciais. O regime jurídico que se aplica às igrejas não é o mesmo que rege as empresas de radiodifusão. Por isso, qualquer transação não declarada e não oficializada entre uma esfera e outra deve ser investigada. Mas, atenção: digo isso como um ponto de princípio, que se aplica a qualquer igreja e qualquer emissora de rádio ou TV. Não posso nem devo, aqui, estabelecer qualquer prejulgamento sobre as dúvidas que agora pairam nesse processo da Rede Record. Isso será julgado pela Justiça. De toda forma, não se pode falar em legitimidade quando se verifica o deslocamento não transparente de recursos financeiros de uma igreja para uma rede ou uma emissora. Esse tipo de movimentação, se comprovada, não é legal nem é legítima.
Pode-se comparar os conflitos éticos na Radiobrás e na Record ?
Em linhas gerais, vários aspectos éticos de empresas públicas e particulares são semelhantes. Eu tenho apenas uma cautela, e já escrevi sobre isso, quando nós temos programas religiosos que difundem preconceitos contra outras religiões. Fora isso, pode haver interferência e interesses religiosos em qualquer emissora de radiodifusão. A questão passa muito mais pelo editor, orientação do programa ou por simpatias pessoais. Não é um fenômeno que se restrinja ao caso da Record de forma nenhuma.
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